dimanche, octobre 30, 2005

Cena suspensa

O boy, o gibi. O careca, a coçada. A tia balança a cabeça. O boy, a madame, batom e bonjour: vermelho. O paletó de pé lê e tira o pó do guarda-chuva. Toda sorte dessa gente superlota, enche, o meu saco e o metrô: eu e o tédio, meu amigo, o tédio anda comigo. Ponto final. A cena pára e com ela o meu olhar: redenção, suspenso o momento da entrada, ela filtra-me a visão e poda-me o saber – zagueiro driblado. A Lilith morena em curvas; o vestido transparente a mostrar, saliente, cada peça do jogo. A única mulher a anular-me os olhos, a única que vi com o corpo todo. Do alto de seu salto, ela tinha o poder de parar o tempo, de parar a vida, o pensamento, de ensinar o desejo na sala do silêncio. De todo o sal de sua sacanagem vinha sua coragem, respeito: Quem é macho pra me catar? Quem vai ser o sujeito? O metrô pára. Ela nos deixou, eu e meus poros, meu corpo pálido. Pateta.

lundi, octobre 24, 2005

Preso, pois, à prosa

Até o momento, procurei dedicar esse espaço exclusivamente ao sublime, seja ele dotado de uma melancolia criadora de caráter inegavelmente ibérico, centrada num “eu” a um só tempo lábil e sobrepujante, ou ornado de veia humorística, o pé-no-chão do espírito poético. Creio que nossa vida já seja muito cheia de prosa; e não a grande, mas essa prosa suja e mesquinha que entremeia e escangalha nosso ar, nossa visão, nossa pele, órgãos, nosso sexo e nossos ossos. A vida, crise, anda muito cheia de crônica e o melhor regime para sanar essa doença, penso, é o sublime, o belo, alguma forma de flerte com a arte.
Porém, dia menos dia, o real bate-nos à porta. O real, com suas garras mesquinhas, gigantes e fétidas. Com seu sorriso de escárnio. Com o suor a pingar do rosto, a bafejar em nossas costas. Estupra-nos. Lembra o que somos: carne, cálcio, gotículas, instinto e pó. Zomba da essência e aponta-nos um espelho, a gargalhar: Contempla-te!
Venceu a barbárie, ontem. Em larga escala, decidimos pelo sangue a jorrar, contra a vida. Decidimos pelo cultivo do medo, planta preta e irrisória, cega. Apontando o dedo contra o crime, sujamos nossas mãos de sangue e, como num ritual satânico, banharemos nosso orgulho e ignorância no sangue de crianças inocentes e de donas de casa esquálidas. Fatiga-me essa lógica, e entristece-me, tão troncha e estúpida seja.
Enfim, não é muito, sei, mas precisava dizê-lo. Desculpe-me se não foi possível, hoje, o belo; ao menos tentar o sublime. A realidade bate a nossa porta, e com ela não mais que o silêncio.

mercredi, octobre 19, 2005



a mulher, o céu, o sonho...
onde tais olhos obtusos em si tão inclusos: ósculo
onde o céu me percebe sal
para saber o teu sabor: suor


Licença Creative Commons

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.



vendredi, octobre 14, 2005

... para que não digam que não te rezo o beijo
ensejo
sussurro teu nome todos os dias,
e vário me envio me enfio em qualquer espaço
que marque em calores
meu nome em tua pele
por suores e odores.


Licença Creative Commons

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.



jeudi, octobre 13, 2005

Resistência e literatura



"Não espero a vitória. A luta em si não é abençoada, exceto na medida em que é a única coisa que posso fazer. [...] Talvez eu finalmente me renda, não à luta, mas à alegria da luta." (Franz Kafka)

"Entre a dor e o nada, escolho a dor." (William Faulkner)


PS-1:Trechos extraídos de um excelente ensaio do escritor mexicano Carlos Fuentes, O elogio da incerteza, no Mais, do último domingo. Quando não há o que acrescentar, façamos a reverência.

PS-2: Obriguei as garotas do cabaré a fazerem uma leitura aprofundada desses autores, com resenha no final.

lundi, octobre 10, 2005

Um dois, um dois...



Preocupado com a excelência do serviço de minhas meninas e com a satisfação de meus clientes, mandei-as todas para treinamentos especiais em uma Casa de Damas Virtuosas, na Lapônia, local que superou a Polônia no que toca a maestria nos tópicos da alcova.
Sabemos que, além da tenacidade e júbilo corriqueiros, é preciso força, elasticidade e destreza para suportar o cotidiano de árduas putarias.

vendredi, octobre 07, 2005

Reflexões e sexta-feira

A minha sorte em ter uma vida sexual praticamente nula reside no fato de que, quando ficar velho, não vou sentir saudades dos tempos passados.

***

Ouvi dizer – ó, conta prá ninguém viu? – ouvi dizer que o fim do mundo é logo ali.

***

Peço desculpas a meu dileto cúmplice, Monsieur Le Prince De Venardis, se alguma vez já disse que não gostava de Tchaikovsky. Lago dos cisnes é primoroso. Impossível escutá-lo sem ir às lágrimas.

***

Talvez atitudes como essas sejam as causas da secura já detalhada no primeiro fragmento.

***

De qualquer forma, Mozart ainda é o melhor.

***

... hoje, sonhei vermelho o céu: flor de espanto no delírio do conhaque.


***

A coisinha mais sádica que existe no mundo é a esperança. Se encarássemos, de uma vez, que vamos perder, não nos cansaríamos tanto.

***

É isso mesmo! Se o sol nasce para todos, eu tô sempre de guarda-chuva.

***

O homem levantou-se de sua cadeira no escritório, onde, todos os dias, toma importantes decisões a respeito de assuntos sem importância, assim como todos nós. Enquanto caminhava, cumprimentou a moça da recepção, e reparou, como sempre repara, no seu rosto calmo e fatalista, assim como toda moça de recepção. Passou pelo chefe, e notou seu orgulho, sua barba muito bem feita, e seu sorriso pretensioso, tudo muito bem orquestrado com ares (bufadas?) hyppies e tempero de yoga com auto-ajuda, assim como quase (quase?) todos os chefes (o que um Molière faria hoje em nosso mundo, hein?). Olhou para os empregados, que trabalham, suam, discutem, (por vezes riem), e cagam, mijam, tomam remédios e têm todo os seus ciclos biológicos ordenados com horários que não lhes são próprios, assim como todos nós.
Caiu. Rápido. Não teve tempo de sentir vertigem. Rápido e forte, feroz, atingiu a calçada um corpo já morto de fúria, fatídico e fatal, assim como cada vez mais corpos farão. Nem se deram conta. Retiraram o corpo rijo e pleno de pisadelas e nódoas às 20:00h do dia seguinte, assim como ocorre a maioria das vezes.

***

Sinceramente, já me decidi. Não sou eu que sou muito triste. Vocês é que são felizes demais!

***

O fim? É logo ali, logo ali...

***

Meu maior problema? Pensar como Bertrand Russel e sentir como Antonio Nobre.

***

Ai, ai... pelo menos essa que me acompanha, a Tristeza, é feminina.

***

Sabe qual o problema do Brasil? Ele mata.

***

Hoje estou insuportável; só sal e vinagre correm nas veias...

***

Espero que meu blog não seja lido por nenhum canibal.

***

Apenas as garotas do cabaré sabem o quanto estou inconsolável... Hoje, sete já me ofereceram um boquete...

***

Humor, só o negro.

***

Não esqueça: logo ali, hein, logo ali...

jeudi, octobre 06, 2005

De la musique...

Cybele's Reverie

(Stereolab)


matières sensuelles et sans suite
l'enfance est plus sympathique
l'enfance apporte le magique

que faire quand on a tout fait
tout lu tout bu tout mangé
tout donné en vrac et en détail
quand on a crié sur tous les toits
pleuré et ri dans les villes et en campagne

l'enfance est plus authentique
le jardin au haut portique

la maison la maison d'autrefois
la maison la maison à venir

et le silence
me pénétrera

les pierres, les arbres, les murs, racontent

lundi, octobre 03, 2005

Reflexões e segunda-feira

Eu sei, eu sei... Refletir na segunda-feira é quase sacrilégio. Oremos, ops, tentemos.

***

E na segunda-feira, o relógio urra em vossa orelha, triunfante! Prova cabal da vitória da necessidade sobre o prazer.

***

Juiz ladrão?! O Brasil tá ficando óbvio mesmo. Quase chato.

***

A vantagem do metrô lotado é que a gente pode apoiar o jornal nas costas do vizinho logo à frente, o que permite uma maior adequação ergonômica e, conseqüentemente, maior aproveitamento de leitura.

***

A sociedade civilizada ocidental foi arquitetada a partir da supremacia da razão sobre o instinto, do dever sobre a vontade. Há quem se orgulhe disso, mas, no pé em que estamos, deveríamos começar a pensar em fazer a coisa de outro jeito.

***

Sábado à tarde, atarantado com trabalhos, depois de uma semana cheia, procuro, para relaxar, chamar a atenção de meu cachorro. “Droop, venha cá!”. Ao que, suntuosa e gordamente, como um sultão que rejeita um criado, ele rola sobre o piso do quintal e exibe sua barriga adiposa e peluda ao sol, como a recarregar as energias. Toda a cena, claro, com o “Hunff”, típico dos cachorros, e com os olhos devidamente cerrados, como se dissesse: “Só faço o que quero, bobão...”

***

Ou seja, se apesar de irracional, meu cachorro é mais feliz do que eu, alguma coisa está muito errada.

***

Porém, no mundo há apenas alguns poucos estranhos, como eu. A maioria se diz satisfeita pelo fato de o chefe explorar pouco e pela praticidade de encontrar o clipe próximo ao fichário, na mesa de trabalho.

***

... ah, sem esquecer das vezes na semana em que o fulano consegue sentar no metrô, motivo de êxtase inconteste.
***

Até o fim da vida, mudo meu endereço para algum hospital psiquiátrico. No diagnóstico, constará: “...acredita no bem comum e é leitor de poesia...”

***
Para não dizer que não falei de flores: