dimanche, février 20, 2005

Ele era o único que não se matara. Perdera o tempo. Perdera o tempo traços passos travessão. Único. O mundo todo, tétrico, em sangue e sabre, o sêmen. Pastas poucas inválidas no chão. De nada serviram ternos pretos. Perfumes. Batons. O mundo todo morto como corpo morto todo corpo cai. Branco. Haviam chegado a essa resolução: toda morte o trem em transe ao meio-dia do domingo, todo sangue. Ao gosto de Agosto. Balas e bílis correm corte e corda, fio de faca, facão: veneno. Sem lágrima, a lucidez lavada era turva à treva e sonhava o branco. Um sonho reto. Todos mortos. Silêncio. O riso de vitória da quietude. A paixão vaga da paz calma e negra. Menos ele. Perdera dado dínamo, a dúvida do espelho. Fazer e viver e só fazer o brilho, tenso: todo tilintares, a gastar os gatos da noite. Só. Ele não era e não se via. Quebrava a cântaros cacos e espelhos, desexistia. Ele não era, não se via. Era feliz e não existia. O mundo corpo morto como todo morto todo corpo cai. O mundo todo é tato, entulho de gente, espelho quebrado. O fato. O caco. O caco corta o peito e entra espelho, tenso. Ruído rubro de riso, o sangue rola, relva e capim. Não se matara. Findara. Vício venal. Desexistir.

samedi, février 19, 2005

Prolegômenos a uma teoria do Nirvana

ao meu dileto amigo e cúmplice no crime da vida, Monsieur Le Comte De Venardis

-Relaxa, cara... Você tem que se acalmar...

Disse eu, entre sábio e petulante, ao meu amigo de veias saltadas e pensar apimentado. Sabe como é... Sangue italiano...
Não satisfeito, e como a sentir terreno para o trotar trôpego de minhas idéias, continuo...

-No meio urbano, para não dizer humano, é necessário atingir certo estado de placidez, uma certa morfina nirvânica da psiquê... relevar

Ele, um pouco mais calmo, mas espantado, naquele ponto intermediário entre a coléra e o raciocínio, interroga-me, inquisidor:

-Ah, é... e se, digamos, você não chegar nesse nirvana...
-Bem, nesse caso... sempre existe a pinga...

lundi, février 14, 2005

lembrei-me de escrever um poema:
pára a pretensão e grita
vida
o mundo incita
no flash do café.

dimanche, février 06, 2005

É o Cordão...

O Cordão da Bola Preta elegeu a rainha do carnaval 2005. Dentre o ruído insano de louvores e vaias (não foi unânime), emerge, triunfante, uma morena farta doirada de sol.
Fora chamado para cobrir o evento. Caderno de cultura do jornal local. Lápis na mão, objetividade na cabeça. Difícil se movimentar, a turba amalucada por cerveja e dança forma um bloco coeso, fisicamente intransponível, sólido como um só corpo. Sinto-me um guerreiro espartano a furar defesas. É o Cordão da Bola Preta.
Tento me aproximar da rival. Mesmo de sempre: “Viva o carnaval, ela mereceu, viva o carnaval, maravilha brasileira, ela mereceu, viva o carnaval”. E reclamam de jogador de futebol. Samba que samba que samba no sol, o lago no laço, ê lelê e, eu, duro. Puxam-me de um lado, de outro: “Hei, dotô, vem cá”. Tento conversar, expectativas para o carnaval, qual o papel da prefeitura no patrocínio, o que esperam para esse ano... “Mamãe eu quero, mamãe eu quero...”
Cadê meu fotógrafo? Filho da mãe. Já entrou na fuzarca do Cordão. “Pô, R. isso é trabalho, né? Me avisa quando sumir...” Com a máquina na mão, quase possuído, quase fotografa a si mesmo na multidão... A lente não o separa, não existe mediação. Uma mulata me puxa pelo braço. Ensaio um sorriso pálido. Apoteose de carne e ritmo, a festa da opulência. Ela se enrosca, se encosta, jibóia. O cabelo solto, medusa de confete. Eu, estátua. Não sou disso, por que me mandaram para cá?
O Cordão da Bola Preta elegeu a rainha do carnaval 2005. Preciso de um pouco mais do que uma frase. Isso dá no máximo uma manchete. As notícias ainda são maiores do que uma frase, geralmente. Concentro-me na descrição do ambiente. Nem tudo aqui é dança e carne. Barracão pobre de telha. Oito décadas de carnaval.
Um homem me puxa pelo braço. “Você tá sentindo a magia?”. Olhos vidrados, enfeitiçados pelo coito metafísico de samba e álcool e suor. Olhos fundos. Magia. Fenômeno que aponta para além do físico. Homem magro, negro, velho. Talvez a maior magia era o fato dele estar de pé. Magia. Que magia? Lembro-me de orações, cânticos, preces... Que preces seriam essas? O cheiro do lugar já nem mais se distinguia. O samba, a magia. O homem me olhava, na ânsia de resposta. Quem sabe, esperava de alguém supostamente mais instruído a confirmação de suas sensações. Largo seu braço, até bruscamente. Sei que ele tem algumas certezas. Fique, pois, com elas. Eu olhava, de fora. Lápis na mão, objetividade na cabeça. Encosto-me numa pilastra. De que maneira poderia começar a reportagem? Já sei. O Cordão da Bola Preta elegeu a rainha do carnaval 2005.

mercredi, février 02, 2005

Diário de Prosa Bárbara III

...e se Deus fez o verbo... o homem fez os fones de ouvido...