samedi, janvier 26, 2008

Parabéns, São Paulo

São Paulo é dessas cidades-cenários. Nela, encontramos ambientes, paisagens e afins para quase todo tipo de situação: do chiquetésimo ao porqueira. Vocação cosmopolita, dizem. Porém, dentro de uma tal pluralidade – e isso é muito óbvio apenas para quem nasceu em São Paulo – habita (pulula, como pústula a macerar nossa carcaça cutânea) nossa verdadeira orientação espiritual, logos filosófico, sentido último de nossa "vocação" real; nosso Dasein: a exclusão, a mesquinharia, o capitalismo tribal em sua vertente tupiniquim (a mais carnívora).

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Ontem, como sabem, aniversário de nossa vergonha, teve lugar na Catedral da Sé algo que nos levou a outro nível de classificação: saímos de mera cidade-cenário e entramos, enfim, na era da cidade-história. In loco, invadindo o real, algumas poucas almas assistiram a uma cena digna de um Rubem Fonseca, pelo caráter simbólico, do seio da vida comum brotando o conflito de classes. Um pobre homem, vandalizado pelo ardil citadino, desempregado, irrompe na casa de Deus – no momento dando abrigo, sobretudo, devido à solenidade do feriado, aos bem-nascidos da Cidade-Vergonha – dizendo, em brados épicos, "Mata eu, São Paulo, que eu não quero morrer de fome!". O conto está aí, senhores escitores. O único problema (será?) é o fato dele ter ocorrido "de verdade". Que cena carregada de significado... Onde a ficção, se a vivo?

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O pior pobre é o que não se reconhece como tal. Ele se observa no lema capitalista do "sol é para todos"; se não é rico ainda é pelo fato de não ter trabalhado o suficiente. Tal éspecime talvez seja o mais fértil em São Paulo, o que transforma essa cidade no reduto mais conservador e voltado a teorias fascistóides em todo o Brasil. "Se na elite me vejo, por que tentar mudar as coisas?".
É o que apreendo de uma conversa que tive com uma dona essa manhã, quando, estarrecido, a escuto dizer: "Mas o governo deveria construir campos de concentração para esses mendigos...".

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A tal dona era a senhora minha mãe.