vendredi, juin 24, 2005

Uma no cravo, outra na ferradura

O Cravo

No pátio do colégio, Maria e seus olhos azuis foram até João e disse:

– João, o que você vai ser quando crescer?

João, tomado de assalto (Maria não andava muito com ele), bateu de pronto, rápido e destro, língua de florete:

– Quando crescer... quero ser vento, só para tocar seu corpo sem que tu percebas...

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A Ferradura

Foram 50 reais. Uma hora. O suor escorria pelo rosto e se misturava com o cheiro estranho de mirra que dominava o lugar... nem ligava, arfava; Os olhos, revirados, batiam nas sedas e rendas vermelhas e pretas. Vieram o apartamento vazio, a solidão, um verso de Poe que falava sobre a morte... O copo de água benta da santa mexia na cabeceira. Um abajur apático iluminava o canto esquerdo da cama. Quando... Jamais contará para ninguém. Enquanto beijava-lhe o pescoço, pensou em perguntar: “Você me ama?”. Segurou a lágrima.
No mesmo momento, ecoou-lhe por dentro Ave Maria, de Schubert.

mercredi, juin 22, 2005

Un peu de tendresse

amar é saudade do presente: saudade do beijo enquanto se beija.

vendredi, juin 17, 2005

Diário de prosa bárbara XI

São dois os problemas dos que têm fé: ignorância e falta de coerência.

dimanche, juin 12, 2005

... dizei-me, pois, onde estais...
onde,
vivos ou mortos,
bailando nos portos,
cantando nos cais,
vão vossos olhos,
vão vossos beijos,
vão vossos ais...

jeudi, juin 02, 2005

Carta de Renúncia

Eu, Jeferson Ferreira, vinte e quatro anos, na posse do cargo de roi-philosophe desta república, e em absoluta posse do que resta de minhas faculdades mentais, a todos os que nos momentos de crise emprestaram-me os ombros dou a saber minha renúncia. Renuncio. Renuncio, primeiramente, ao meu corpo. Já não me importa essa peça inerte de carne e secreções, safando-se, soslaiamente, estúpida e tardia, no mundo: empecilho. Renuncio, depois, aos meus desejos; para que lutar? No fim, amanhecemos cinza o sol, a poesia... A prosa rofa do jornal rasga meu lirismo... e vale mais. Adeus, alturas. Renuncio. Renuncio à beleza que dizem inerente às coisas. Esta beleza que de perto é o passo em falso. É o ruminar, sozinho, o frio do câncer citadino: desamor. Renuncio ao meu jardim infértil, terra dura e inculta, perfídia. Renuncio à esperança. É duro descobrir que toda ideologia não resiste ao teu sofá. Renuncio, enfim, à possibilidade do amor. Ao cheiro desavisado e farto de uma pele amada; não há leira a lançar-se, é lama, almejar. Sobra-me este pairar tépido, esta cautela triste, mesquinha: viver a conta-gotas. Cama e sono, querer, metrô lotado, querer gritar, morrer, bater cartão, desejo controlado. Renuncio à vida, ou ao que chamam vida. Queimem meu corpo e alimentem com sal as terras que herdarem o pó. Não quero que nada cresça tendo como origem algo que um dia fora parte de mim.

Sem mais,

Jeferson Ferreira,

República Anárquica de Ferney / Pas-téopsie (capital)
02 de junho de 2005