É o Cordão...
O Cordão da Bola Preta elegeu a rainha do carnaval 2005. Dentre o ruído insano de louvores e vaias (não foi unânime), emerge, triunfante, uma morena farta doirada de sol.
Fora chamado para cobrir o evento. Caderno de cultura do jornal local. Lápis na mão, objetividade na cabeça. Difícil se movimentar, a turba amalucada por cerveja e dança forma um bloco coeso, fisicamente intransponível, sólido como um só corpo. Sinto-me um guerreiro espartano a furar defesas. É o Cordão da Bola Preta.
Tento me aproximar da rival. Mesmo de sempre: “Viva o carnaval, ela mereceu, viva o carnaval, maravilha brasileira, ela mereceu, viva o carnaval”. E reclamam de jogador de futebol. Samba que samba que samba no sol, o lago no laço, ê lelê e, eu, duro. Puxam-me de um lado, de outro: “Hei, dotô, vem cá”. Tento conversar, expectativas para o carnaval, qual o papel da prefeitura no patrocínio, o que esperam para esse ano... “Mamãe eu quero, mamãe eu quero...”
Cadê meu fotógrafo? Filho da mãe. Já entrou na fuzarca do Cordão. “Pô, R. isso é trabalho, né? Me avisa quando sumir...” Com a máquina na mão, quase possuído, quase fotografa a si mesmo na multidão... A lente não o separa, não existe mediação. Uma mulata me puxa pelo braço. Ensaio um sorriso pálido. Apoteose de carne e ritmo, a festa da opulência. Ela se enrosca, se encosta, jibóia. O cabelo solto, medusa de confete. Eu, estátua. Não sou disso, por que me mandaram para cá?
O Cordão da Bola Preta elegeu a rainha do carnaval 2005. Preciso de um pouco mais do que uma frase. Isso dá no máximo uma manchete. As notícias ainda são maiores do que uma frase, geralmente. Concentro-me na descrição do ambiente. Nem tudo aqui é dança e carne. Barracão pobre de telha. Oito décadas de carnaval.
Um homem me puxa pelo braço. “Você tá sentindo a magia?”. Olhos vidrados, enfeitiçados pelo coito metafísico de samba e álcool e suor. Olhos fundos. Magia. Fenômeno que aponta para além do físico. Homem magro, negro, velho. Talvez a maior magia era o fato dele estar de pé. Magia. Que magia? Lembro-me de orações, cânticos, preces... Que preces seriam essas? O cheiro do lugar já nem mais se distinguia. O samba, a magia. O homem me olhava, na ânsia de resposta. Quem sabe, esperava de alguém supostamente mais instruído a confirmação de suas sensações. Largo seu braço, até bruscamente. Sei que ele tem algumas certezas. Fique, pois, com elas. Eu olhava, de fora. Lápis na mão, objetividade na cabeça. Encosto-me numa pilastra. De que maneira poderia começar a reportagem? Já sei. O Cordão da Bola Preta elegeu a rainha do carnaval 2005.
Fora chamado para cobrir o evento. Caderno de cultura do jornal local. Lápis na mão, objetividade na cabeça. Difícil se movimentar, a turba amalucada por cerveja e dança forma um bloco coeso, fisicamente intransponível, sólido como um só corpo. Sinto-me um guerreiro espartano a furar defesas. É o Cordão da Bola Preta.
Tento me aproximar da rival. Mesmo de sempre: “Viva o carnaval, ela mereceu, viva o carnaval, maravilha brasileira, ela mereceu, viva o carnaval”. E reclamam de jogador de futebol. Samba que samba que samba no sol, o lago no laço, ê lelê e, eu, duro. Puxam-me de um lado, de outro: “Hei, dotô, vem cá”. Tento conversar, expectativas para o carnaval, qual o papel da prefeitura no patrocínio, o que esperam para esse ano... “Mamãe eu quero, mamãe eu quero...”
Cadê meu fotógrafo? Filho da mãe. Já entrou na fuzarca do Cordão. “Pô, R. isso é trabalho, né? Me avisa quando sumir...” Com a máquina na mão, quase possuído, quase fotografa a si mesmo na multidão... A lente não o separa, não existe mediação. Uma mulata me puxa pelo braço. Ensaio um sorriso pálido. Apoteose de carne e ritmo, a festa da opulência. Ela se enrosca, se encosta, jibóia. O cabelo solto, medusa de confete. Eu, estátua. Não sou disso, por que me mandaram para cá?
O Cordão da Bola Preta elegeu a rainha do carnaval 2005. Preciso de um pouco mais do que uma frase. Isso dá no máximo uma manchete. As notícias ainda são maiores do que uma frase, geralmente. Concentro-me na descrição do ambiente. Nem tudo aqui é dança e carne. Barracão pobre de telha. Oito décadas de carnaval.
Um homem me puxa pelo braço. “Você tá sentindo a magia?”. Olhos vidrados, enfeitiçados pelo coito metafísico de samba e álcool e suor. Olhos fundos. Magia. Fenômeno que aponta para além do físico. Homem magro, negro, velho. Talvez a maior magia era o fato dele estar de pé. Magia. Que magia? Lembro-me de orações, cânticos, preces... Que preces seriam essas? O cheiro do lugar já nem mais se distinguia. O samba, a magia. O homem me olhava, na ânsia de resposta. Quem sabe, esperava de alguém supostamente mais instruído a confirmação de suas sensações. Largo seu braço, até bruscamente. Sei que ele tem algumas certezas. Fique, pois, com elas. Eu olhava, de fora. Lápis na mão, objetividade na cabeça. Encosto-me numa pilastra. De que maneira poderia começar a reportagem? Já sei. O Cordão da Bola Preta elegeu a rainha do carnaval 2005.
5 Comments:
Muito boa; e bem adequada para a época. Eu quis escrever sobre o Carnaval para o meu blogue, mas não consegui... e sem idéias, tive de recorrer aos textos de diário, os quais você já viu, não é? Talvez eu comece a publicar lentamente os meus diários, o que você acha? Asnidades desde 1999.
Cordiais saudações,
Oi Jeff! Achei o blog muito bom!
Adorei o texto muito bonito. O Carlos me falou do blog e resolvi passar....Passei.
Um beijão
meodeos...
leitura de cebeceira, heim? nao imaginava...
desculpe a demora.. tenho preguiça de visitar blogs... ja vi tantos q enfarei...
bju lindo!
tah famoso hein rapaz?
amei o texto, adoro ler coisas desse tipo. acertou em cheio.
parabéns!
bjos
Dé
Meu querido que maravilha. Eu sou o único que gosta de carnaval nessa merda, mesmo? Mas eu concordo, não há magia, só putaria... As pessoas deveriam admitir logo que é uma data para as mulheres desencanarem, para dar sem dó. Pois os homens estão quase sempre disponíveis, raça maldita.
Não é machismo, perdoem-me as damas... mas já que isso é um cabaré...
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