Carta de Renúncia
Eu, Jeferson Ferreira, vinte e quatro anos, na posse do cargo de roi-philosophe desta república, e em absoluta posse do que resta de minhas faculdades mentais, a todos os que nos momentos de crise emprestaram-me os ombros dou a saber minha renúncia. Renuncio. Renuncio, primeiramente, ao meu corpo. Já não me importa essa peça inerte de carne e secreções, safando-se, soslaiamente, estúpida e tardia, no mundo: empecilho. Renuncio, depois, aos meus desejos; para que lutar? No fim, amanhecemos cinza o sol, a poesia... A prosa rofa do jornal rasga meu lirismo... e vale mais. Adeus, alturas. Renuncio. Renuncio à beleza que dizem inerente às coisas. Esta beleza que de perto é o passo em falso. É o ruminar, sozinho, o frio do câncer citadino: desamor. Renuncio ao meu jardim infértil, terra dura e inculta, perfídia. Renuncio à esperança. É duro descobrir que toda ideologia não resiste ao teu sofá. Renuncio, enfim, à possibilidade do amor. Ao cheiro desavisado e farto de uma pele amada; não há leira a lançar-se, é lama, almejar. Sobra-me este pairar tépido, esta cautela triste, mesquinha: viver a conta-gotas. Cama e sono, querer, metrô lotado, querer gritar, morrer, bater cartão, desejo controlado. Renuncio à vida, ou ao que chamam vida. Queimem meu corpo e alimentem com sal as terras que herdarem o pó. Não quero que nada cresça tendo como origem algo que um dia fora parte de mim.
Sem mais,
Jeferson Ferreira,
República Anárquica de Ferney / Pas-téopsie (capital)
02 de junho de 2005
Sem mais,
Jeferson Ferreira,
República Anárquica de Ferney / Pas-téopsie (capital)
02 de junho de 2005
2 Comments:
tenho me sentido extremamente infeliz...
gostaria de ter a tamanha coragem de renunciar a minha vida... mas a fraqueza já se apossou das minhas entranhas e da minha essência.
Messer Tartufo tem razão. Me dou como morto há já alguns anos; morto e inerte para inúmeras coisas e zumbi para outras.
E nosso fardo, nosso fado, nosso peso sospesado por um presente e um porvir de mesquinharias e um passado de glórias vãs ou inexistentes.
Oremos.
Enregistrer un commentaire
<< Home