A fresta e a história
Sem dúvida, os melhores anos da vida de um homem (digo homens, pois mulheres desconheço) são aqueles que têm início no infame período cravado por masturbações e espinhas ao qual, por convenção, nomeamos adolescência. Afrontam-se os pais, jogam-se jogos estúpidos e violentos, rala-se a perna, o braço, ou, ainda, quebram-se alguns ossos. Sujam-se os corpos. Afloram-se idéias liberais. Descobre-se, então, que vida é esse enleio de movimentos libertinos que se revelam em toques, em tatos, em estalos orgásticos. É lama, mas é vital. Vital como o embaraço dos primeiros encontros, dos primeiros beijos. As primeiras putinhas (benditas sejam) que, quase sem pêlos púberes, ensinam aos homens que todo e qualquer limite é fictício.
Nunca fui assim. Sempre fui um homem regido pelo Limite. Um Limite interno, auto-imposto, que tem por objetivo castrar calculadamente cada movimento, cada investida.
Eu nasci, mas a alma que ganhei nasceu quarenta anos antes; boêmia, perambulou por aí, solitária, a entediar-se. Com isso, afrontar os pais soava insensato; os tais jogos eram perda de tempo; ralar-se e quebrar-se, não muito saudável. Quanto às idéias liberais, até que afloravam, mas da pior maneira: escaldadas em peçonha, plenas de ressentimentos. Elas navegam em minha consciência envoltas em uma sensação de que é preciso agarrar-se a algo que pareça justo pelo simples fato de que temos de possuir alguma noção vaga, patética, de pureza. Pureza não existe. A pureza da vida é essa faca curva cravada no peito, derrubando o corpo inerte na lama.
E as vagabundinhas, então? Ora, essas sempre foram meu precipício, a curva saliente do meu espírito. Cresci criando-as em minha mente. Conversando com elas. Mesmo casando, mimando. Vivendo romances loucos. O Limite me impede de amá-las, por decoro. Antes de me ensinarem, aprendi, com elas, o medo; de forma que admiro o mar, mistério de imensidão, mas não nado.
Enfim, redijo o presente bibelô ornado de fel, pois senti a necessidade de fechar a fábrica de meus devaneios, fazer o balanço dos meus pensamentos. Hoje, faço vinte e seis anos. Metade de mais uma década de vida se foi. O relógio conta e me sinto como aquelas grandes nações americanas que foram da barbárie à decadência sem passar pela civilização. Algo faltou. Há uma lacuna na minha história. Preciso contá-la para, pelo menos, ter a exata noção da minha estupidez.
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
Nunca fui assim. Sempre fui um homem regido pelo Limite. Um Limite interno, auto-imposto, que tem por objetivo castrar calculadamente cada movimento, cada investida.
Eu nasci, mas a alma que ganhei nasceu quarenta anos antes; boêmia, perambulou por aí, solitária, a entediar-se. Com isso, afrontar os pais soava insensato; os tais jogos eram perda de tempo; ralar-se e quebrar-se, não muito saudável. Quanto às idéias liberais, até que afloravam, mas da pior maneira: escaldadas em peçonha, plenas de ressentimentos. Elas navegam em minha consciência envoltas em uma sensação de que é preciso agarrar-se a algo que pareça justo pelo simples fato de que temos de possuir alguma noção vaga, patética, de pureza. Pureza não existe. A pureza da vida é essa faca curva cravada no peito, derrubando o corpo inerte na lama.
E as vagabundinhas, então? Ora, essas sempre foram meu precipício, a curva saliente do meu espírito. Cresci criando-as em minha mente. Conversando com elas. Mesmo casando, mimando. Vivendo romances loucos. O Limite me impede de amá-las, por decoro. Antes de me ensinarem, aprendi, com elas, o medo; de forma que admiro o mar, mistério de imensidão, mas não nado.
Enfim, redijo o presente bibelô ornado de fel, pois senti a necessidade de fechar a fábrica de meus devaneios, fazer o balanço dos meus pensamentos. Hoje, faço vinte e seis anos. Metade de mais uma década de vida se foi. O relógio conta e me sinto como aquelas grandes nações americanas que foram da barbárie à decadência sem passar pela civilização. Algo faltou. Há uma lacuna na minha história. Preciso contá-la para, pelo menos, ter a exata noção da minha estupidez.
Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons.
1 Comments:
Faço minhas as tuas palavras. E a citação final é do Levi-Strauss, não? Nós, os americanos...
Então, quanto a sábado, perdoa-me, mas opto por ficar em casa. Já vi ônibus do Ministério da Defesa cheio de soldados circulando por aí, no Centro. Mas mesmo assim, um abraço e feliz aniversário.
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